A tipicidade do Artigo 28 da Lei de Drogas: uma crítica à hipocrisia do Estado

O texto a seguir contém opiniões pessoais e tem o objetivo de informar e transmitir conhecimento crítico acerca de assuntos relevantes. 


Por Livia Salatta.


Na publicação anterior abordamos brevemente sobre as dificuldades enfrentadas por quem precisa adquirir o cannabidol para auxiliar nos mais diversos tipos de tratamento de doenças. Além do sofrimento pela incerteza quanto ao quadro clínico, os pacientes sofrem pelo oneroso, árduo (e burocrático) processo para adquirirem o cannabidiol no Brasil. 


E se alguém for usuário de maconha, qual é o procedimento adotado pelo sistema penal brasileiro? 


Vejamos.  Assim dispõe o artigo 28 da Lei de drogas (11.343/2006): 

 

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: 

 

I - advertência sobre os efeitos das drogas; 

 

II - prestação de serviços à comunidade; 

 

III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. 

 

Partindo dessa premissa, qualquer pessoa que possuir droga para consumo próprio terá penas diversas as restritivas de liberdade, não havendo prisão. Dessa forma, poderão ser impostas, “punições alternativas”, que vão desde uma advertência a serviço comunitário e/ou um curso educacional.  

 

A discussão central acerca da constitucionalidade da punibilidade deste artigo da Lei paira sobre o fato de que apenas o usuário seria o prejudicado pela conduta praticada contra si mesmo, não devendo o Estado punir a autolesão. 

 

Segundo o site DW Em quais países o consumo de maconha é legalizado? – DW – 17/10/2021), um estudo desenvolvido pelo instituto americano Cato, think tank, identificou que apenas em 2020 a indústria da maconha legal gerou 77 mil empregos nos EUA. E o mesmo poderia ocorrer no Brasil, que por longos anos enfrenta altos índices de desemprego.  

Mais especificamente, o estado do Colorado fatura em média 20 milhões de dólares por mês com o comercio da maconha legal, já o governo da Califórnia arrecada uma média mensal de cerca de 50 milhões de dólares. 

 

O Brasil também poderia estar lucrando com o comércio legal da maconha, mas o proibicionismo construído pelo moralismo seguido de um falso discurso de preocupação com a saúde pública faz com que não haja solução para problemas de longa data enfrentados no país. A maconha sempre existiu no Brasil (e provavelmente sempre existirá), fechar os olhos para esse fato e tratar os usuários como criminosos só reforça o retrocesso do país.  

 

Ora, será que os falsos moralistas e legisladores brasileiros consideram apenas como sendo usuário da cannabis o negro, o favelado e a pessoa de baixa renda? Isso seria, no mínimo, incoerente, inverídico e uma verdadeira hipocrisia. A maconha, que paradoxalmente foi trazida para o Brasil pelos escravos, está inserida em todas as camadas sociais e econômicas do país. Ou vocês acham que não existem políticos, juízes, promotores de justiça, advogados, médicos, cantores famosos, padres e por aí em diante que fazem uso da substancia “ilícita”. E sim, ilícita está escrito entre aspas propositalmente, pois o que parece é que a maconha é considerada ilícita apenas quando consumida pela pobre. 

 

Se o usuário da cannabis está apenas consumindo e fazendo “mal” para si, qual é o cabimento da punição? E onde se enquadrariam os direitos constitucionalmente adquiridos como a liberdade e autonomia da vontade e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Privacidade; não cabendo ao Direito Penal proteger a pessoa de si mesma. 

 

Em um acordão recente art-28-crime.pdf (conjur.com.br)) prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 1º de agosto, o Juiz relator Gustavo Henrichs Favero, argumentou que: "A criminalização da conduta de portar droga para uso próprio, além de violar a autonomia e a autodeterminação do indivíduo, decorrências lógicas da dignidade humana, equivaleria a criminalizar a própria vítima". Ainda pontuou que: "O usuário de drogas não tem qualquer controle sobre o comportamento do traficante", destacou Favero. O Juiz ainda defendeu que seria arbitrária a punição de alguém que causou mal unicamente a si próprio. 

 

É importante ainda lembrar que, de acordo com o site Exame, o álcool e tabaco contém mais elementos químicos e oferecem maiores riscos à saúde do que as substancias químicas presentes na cannabis. 

 

Além de tudo, ainda existe a situação fática e temerária de que muitas vezes os usuários podem ser considerados traficantes (crime que tem pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos), já que a Lei é silente quanto a quantidade de droga necessária para diferenciar um usuário de um traficante. 

 

Quem determina se o crime cometido foi o de tráfico de drogas é a autoridade policial, além do juiz da vara responsável por analisar o caso concreto e decidir se a droga apreendida se destina para o uso pessoal ou para a venda. E, curiosamente, segundo o Infopen em estudo publicado em 2017, o número de pessoas encarceradas cumprindo pena por tráfico de drogas era superior a 176 mil, representando quase 30% da população carcerária. 

 

Eu encerro este texto questionando o número de usuários de cannabis que neste momento se encontram privados de suas liberdades ao terem sido sentenciados injustamente por tráfico de drogas em um sistema carcerário que nada contribui para a ressocialização do indivíduo. Vale a reflexão. 

 

Fontes de pesquisa: 


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